Por Gabriel Cardoso
O Morro da Urca marcou vidas. Fez história. É um dos protagonistas mais memoráveis do cenário carioca e é de causar inveja internacional nos cartões postais. Sim, o Morro da Urca tem muita coisa pra contar. Quem esteve lá pôde acompanhar bem de perto e guardar na memória todos aqueles shows inesquecíveis dos anos 70 a 90 - como inclusive em 79, ano em que o Morro se tornou responsável pelo baile inaugural do carnaval carioca, no lugar do Teatro Municipal. Foi dele a responsabilidade, junto com o Circo Voador, de descobrir e lançar as bandas do rock brasileiro. Uma geração inteira acompanhava e era inclusive o único local que 'a patroa encontrava a empregada'. Todos iam para o Morro da Urca para se esbaldar no famosíssimo "Noites Cariocas", projeto idealizado e organizado pelo saudoso produtos Nelson Motta.
E bem no meio desse turbilhão de emoções, o Bondinho do Pão de Açúcar completa 100 anos... cem anos de existência, cem anos de histórias, cem anos de Rio. E pra contar um pouco mais dessa história da cultura carioca, o jornalista Antônio Carlos Miguel e a historiadora Monique Sochaczewski - esse eu levei tempo pra aprender, mas se fala "sôrratiévisqui" - foram convidados para pesquisar, entrevistar e reunir um enorme acervo de documentos para lançarem, juntos, o livro 'Morro da Urca: Estação da música', pela Editora Lacre.
E o lançamento aconteceu nesta segunda-feira, dia 18, e exatamente no lugar onde tinha que ser: no próprio Morro da Urca.
— O Morro da Urca, o irmão mais baixo do Pão de Açúcar, teve uma grande importância cultural para o Rio. Lá aconteceram shows dos mais importantes artistas brasileiros. De Egberto Gismonti a Novos Baianos, Gal, Gil, Caetano... Acho que apenas Chico Buarque e Tom Jobim não se apresentaram no Morro da Urca — lembra Miguel. — Era um lugar que virou a extensão da casa das pessoas. Era ponto de encontro de amigos, de fermentação da música... lugar onde a patroa podia esbarrar com a sua empregada na pista de dança. Até estrangeiros famosos vieram pra cá, como o Robert de Niro.
O período mais efervescente do Morro da Urca começou em 1978, com a instalação da badalada discoteca Dancin' Days — projeto de Nelson Motta que ocupara até 1976 um espaço no Shopping da Gávea. As inesquecíveis Frenéticas, junto com o DJ Dom Pepe, subiram o bondinho para levar o público à loucura nas noites quentes do verão. Nelson, aliás, foi convidado para assinar o prefácio do livro.
No anos 80, quem subiu o morro foi o rock brasileiro na programação do "Noites Cariocas". Blitz, Barão Vermelho, Legião Urbana foram algumas delas.
— Em paralelo com o Circo Voador, o palco do Morro da Urca foi um local de fermentação do rock brasileiro — diz Miguel, que reuniu cerca de 60 entrevistas para relembrar a época de ouro do Morro da Urca, local também de grandes bailes de carnaval.
E enquanto Miguel resgata o legado cultural do Morro da Urca, Monique, a historiadora e também autora do livro, exalta a importância histórica desse cartão postal carioca, que tem 550 milhões de anos. A inauguração do teleférico - o terceiro instalado no mundo - trouxe mais fama. Em suas pesquisas, Monique se deparou com curiosidades, incluídas, claro, na obra.
— No anos 10, com a inauguração do bondinho, aquele pedaço da cidade se tornou área de espetáculos aéreos. Como naquela época a aviação era ainda uma novidade, os pilotos costumavam se exibir, com acrobacias, sobre e sob os fios do teleférios, diante de uma multidão encantada, que se concentrava em frente à estação para assistir aos espetáculos — conta Monique.
A historiadora revela ainda que nos anos seguintes foi a vez de equilibristas se exibirem e se arriscarem nos fios do bondinho.
— Um verdadeiro espaço de performances — descobriu Monique.
Monique também afirma não ter sido fácil encontrar um acervo iconográfico vasto e uma grande quantidade de fotografias, e que também foi muito difícil escolher o que colocar no livro.
— A parte mais difícil mesmo foi resumir o que conseguimos — contou Monique, rindo. — Nós tínhamos uma grande quantidade de informação e precisávamos selecionar aquilo que fosse mais importante ou mais abrangente, no sentido de mostrarmos a história com todos os seus detalhes. Também foi muito difícil conseguirmos um acervo iconográfico de qualidade e bastantes fotografias. O acervo fotográfico era muito escasso e, até nas imagens histórias, eu consegui não mais do que trinta fotos. — conclui a historiadora.
O livro, nas versões encadernada e pocket, foi uma parceria da Companhia Aérea Pão de Açúcar e Agência O Globo, com apoio do Grupo Estácio de Ensino Superior. Os exemplares estarão à venda na loja do própria estação do bondinho e na Livraria da Travessa. E de acordo com informações dos próprios autores, está previsto para o segundo semestre deste ano o lançamento do documentário, com direção de Milie Kertész, pela Conspiração Filmes. Monique Sochaczewski falou um pouco sobre o documentário e disse que ele terá a "cara da diretora"
— O documentário é um projeto mais elaborado que o livro, pela questão do tempo que estamos tendo para trabalhar em cima dele. Mas está ficando um trabalho lindo, com uma linguagem toda própria do cinema e que promete fazer muito sucesso.
Quem também marcou presença no evento de lançamento foi o guitarrista Victor Biglione (direita), que fez muito sucesso com a Banda Metalúrgica Dragão de Ipanema nos eventos do morro.
O argentino mais brasileiro de todos os tempos - ele foi o estrangeiro que mais fez gravações no Brasil - conta da importância que o Morro da Urca teve em sua carreira e que tudo que ele passou aqui o tornou um pouco mais carioca.
— Um dos projetos que mais me marcou foi o de 79, o Música Prapular Brasileira, idealizado e organizado pelo Nelson Motta. Arrasamos com a banda Metalúrgica, que tinha regência e arranjo do saudoso mestre Edson Frederico e depois, ali por volta de 82, 83, eu fiz parte da A Cor do Som... e eu acho que essa junção do prazer com o trabalho é que foi me tornando um pouquinho mais brasileiro — contou o guitarrista, com muita simpatia e sem sotaque.
As Frenéticas Dhu Moraes (esquerda) e Lindoka (direita) também estiveram presentes com todo seu charme e simpatia e também mostraram toda a irreverência que as consagraram como as mulheres mais ousadas da época.
— Nós lançamos tendências. — conta a Frenética Lindoka. — quando lançaram o Frenetic Dancin' Days Discotec, nós fomos chamadas para ser apenas garçonetes. Como nós adorávamos fazer performances, fomos claras e dissemos "nós queremos nos apresentar, queremos ser artistas". Então sempre no meio da noite, nós tirávamos aquelas roupas de garçonete e ficávamos só de corpete e cinta-liga, e isso naquela época era algo inimaginável, ninguém esperava. Cantávamos sempre um pout-pourri, um pequeno repertório de cantores famosos, como Raul Seixas e etc. e depois voltávamos a colocar a roupa de garçonete pra trabalhar. Nunca imaginávamos que faríamos tanto sucesso, tanto é que comecei a sacrificar as aulas de dança que eu costumava dar para utilizar o espaço para ensaiarmos. Nós inclusive fomos responsáveis por toda aquela revolução no comportamento feminino da época. As meninas começaram a usar aquela meinha aparecendo... e fomos nós quem demos início a expressão "tietar", muito usada até hoje, eu acho. — disse Lindoka.
Completamente descontraída, Dhu Moraes, além de falar sobre a importância do morro para a ascensão do grupo, contou histórias divertidíssimas que fizeram com que todos caíssem na gargalhada.
— Você acredita que eu tava lá no palco cantando, me apresentando... AH! eu tinha um namorado, chamado Jorge. Lembra do Jorge, Lindoka? A gente chamava ele de "Xorxe", coitado... mas então,eu estava lá no palco me apresentando e de repente um fã enlouquecido subiu no palco e me tascou um beijo daqueles! Gente, o meu namoro acabou aquele dia. Eu fiquei arrasada por um tempinho, porque não tinha sido culpa minha, né? Mas depois foi passando e eu só conseguia pensar que tinha sido bom. Beijo bom, cara, foi bacana! Gostei muito, valeu!
A fotógrafa Lita Cerqueira também esteve presente na festa de lançamento e nos contou um pouquinho sobre sua trajetória e sobre a foto de Gilberto Gil, que encontra-se no livro, e que foi ela quem tirou.
— Eu já faço isso há trinta anos e pra mim sempre foi uma diversão. Dançar, namorar, fotografar... o meu trabalho faz parte da minha vida, dessa juventude dos anos 80.
Lita conta também sobre fotos de personalidades que tirou e da foto que está no livro.
— Eu sempre fotografei o Brasil. Acabei indo fotografar a música pela aproximação que sempre tive com ela e com as amizades que fiz. Tirei foto de tanta gente, até do Bob Marley... e eu sou baiana, o contato com a música era enorme. Meus amigos sempre foram Gilberto Gil, Caetano Veloso... a foto do Gil que está no livro, inclusive, é minha, tiramos num evento que ele me convidou. Eu nunca fui tiete dele, nunca fui uma fã, sempre fui apenas uma amiga.
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Equipe Couvert Artístico.
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