quinta-feira, 21 de março de 2013

O ICCA homenageia os 150 anos de Ernesto Nazareth

Por Gabriel Cardoso, Juliana Pessôa e Camila Lima.

O pesquisador Luiz Antônio Almeida (esquerda) e Ricardo Cravo Albin
Todo biógrafo e pesquisador da área da música que se preze sabe todos os detalhes da carreira de um artista. Os shows que fez, os prêmios que ganhou, o legado que deixa para os apreciadores e fãs, além de um arsenal de documentos, fotografias e histórias.

Contudo, são poucos os que se aventuram a buscar por uma nova temática. Que pesquisador se interessaria por saber o que um artista gostava de comer? Pouquíssimos, não há dúvida. E foi justamente pensando nisso que o biógrafo Luiz Antônio Almeida fez uma pesquisa incrível sobre a vida do compositor Ernesto Nazareth, e foi convidado pelo ICCA pra falar um pouquinho de tudo que encontrou, desde um filho de Ernesto que ninguém sabia que existia ao gosto por carne assada e batatas.

A pesquisa sobre a vida de um homem como ele é longe da carreira musical é muito importante, pois você consegue identificar pequenas peculiaridades ou até mesmo o motivo pelo qual este artista produziu determinado conteúdo. Talvez uma música triste tenha sido inspirada na morte alguém, ou uma música alegre inspirada num momento íntimo, num jantar, num papo de boteco... Toda a vida fora dos palcos traduz alguma coisa dentro deles. — disse Luiz Almeida.

Luiz Antônio sempre teve uma ligação com o compositor. Quando pequeno, brincava no quintal da casa que foi do próprio Ernesto Nazareth. Nunca imaginaria que a vida lhe levasse a pesquisar sobre um homem que esteve tão próximo e ao mesmo tempo tão distante. Hoje, Luiz não é somente o detentor da maior pesquisa sobre Ernesto, como também tornou-se herdeiro de seu legado. Herdeiro em termos, já que a justiça não permitiu que ele se tornasse o dono dos direitos autorais.

— A família do Ernesto hoje me considera um filho dele. Todos têm muito apreço por mim e acharam que seria a melhor das idéias me tornarem herdeiro do acervo de Ernesto Nazareth e de seus direitos autorais. Foi uma pena a justiça não ter me concedido esse direito também, já que isso só seria permitido se Ernesto, em vida, tivesse deixado algo por escrito me deixando como herdeiro ou se eu tivesse uma ligação sanguínea.

Mesmo sem os direitos autorais, Luiz Antônio obviamente não deixou suas pesquisas de lado e continuou a buscar todas as informações possíveis sobre a vida do pai da MPB, que desde os 14 anos era compositor. E dos bons. Com ajuda de seu professor de piano, sua música chegou a um editor e conseguiu ser editada e lançada. Era o primeiro passo de Ernesto para uma carreira brilhante.

— Ernesto tinha uma capacidade tremenda de gerar composições. — afirma Luiz Almeida. — Compunha e editava tangos a cada quinze dias, em média. Ouvia músicas e as passava instantaneamente para o piano. Era uma coisa natural. Desde pequeno ouvia a música que vinha dos terreiros, isso o influenciou bastante. Ele ainda colocava ritmos estrangeiros em suas composições, como a polca, o tango espanhol, a valsa e o lundu. Fazia uma mistura totalmente diferente de tudo que os apreciadores estavam acostumados. Tudo que acabou dando origem ao chorinho, ao batuque, jongo. Talvez seja por essa razão que ele seja o principal representante da MPB ao lado de Chiquinha Gonzaga.

A vocação para ser músico escondia sua timidez. Ernesto Nazareth era um homem de poucas palavras, que conversava pouco, uma das razões que dificultou o trabalho de Luiz, que não encontrava muitos indícios da história deste homem.

— O que eu tinha em mãos era tudo aquilo que os pesquisadores anteriores já tinham colocado em seus livros. Por que falar de uma coisa que todos já falaram? Acho que isso tudo foi também um pouco de despreparo, uma falha dos pesquisadores daquela época, talvez pela questão da educação. Eram tempos diferentes, antigamente ninguém conversava demais sobre a vida dos outros pelo respeito que havia sobre a vida alheia. Poucos sabiam sobre a vida do Ernesto, poucos sabiam que ele ficara surdo, louco. Alguns nem sabiam que ele tinha morrido!

Na realidade, até hoje não se sabe exatamente a causa da morte de Ernesto Nazareth. Durante suas entrevistas, Luiz ouviu, quase que meio a meio, as pessoas dizerem que havia sido suicídio ou acidente. O que se sabe é que ele fugiu e morreu. Refugiou-se em algum lugar e seu corpo foi encontrado alguns dias depois. Isso inclusive gerou um erro na história: Ernesto Nazareth não morreu no dia 4 de fevereiro, como diziam, mas sim no dia primeiro de fevereiro de 1974, aos 70 anos, por uma questão lógica pericial.

O radialista Lauro Gomes (Rádio MEC) esteve presente no evento.

A busca por informações em todos os cantos do Rio de Janeiro e de outros estados, fez com que o biógrafo fizesse uma descoberta inacreditável: Diniz, o filho de Nazareth que ninguém conhecia.

— Eu descobri esse filho do Nazareth e sabia que precisava encontrá-lo. Conhecê-lo. E uma coisa que me marcou nessa visita que fiz, foi que, quando nos encontramos, Diniz levantou-se com sua bengala e me deu um abraço apertado. Todos que o conheciam e estavam presentes no momento ficaram impressionados, pois ele não fazia isso com ninguém. Pensaram até que era uma ligação espiritual que nós tínhamos do passado — comentou Luiz Almeida, com os olhos marejados.

Diniz infelizmente veio a falecer dois anos depois, em 1982, aos 94 anos. Com isso, a família Nazareth se extinguiu e não há mais descendência. E embora ninguém soubesse da existência de seu filho, Ernesto Nazareth sempre foi um pai exemplar.

— Quando era pequeno, o Nazareth sofreu um acidente que praticamente o deixou surdo, por ter estourado um dos nervos principais do ouvido. É até estranho falar disso agora, porque mesmo tendo sua audição debilitada, Ernesto sempre “ouviu” muito a família, quer dizer, sempre foi uma pessoa muito presente. Além da surdez, Ernesto também teve muitos problemas de saúde. Muita gente não sabe, mas o motivo pelo qual ele ficou louco foi uma doença. A mesma loucura que atingiu tantos, inclusive Mario de Andrade, que conseguiu escapar, atingiu Ernesto Nazareth. Nazareth teve sífilis. Era um homem bom, mas que não se precavia totalmente, e a sífilis foi uma das causas de sua loucura e da sua consequente morte.

Mesmo com a surdez e todos os problemas de saúde, Ernesto Nazareth sentia falta daquela relação especial com a música que o acompanhara. No final de sua vida, começou a compor sambas, de melodia e letra animadas, nos quais pretendia recuperar o seu espaço e sua fama.

— Dentre as cinco últimas composições do Ernesto, três eram sambas. Fica evidente a vontade que o compositor tinha de voltar a fazer sucesso, de tocar o que estava na moda. Fica claro porque Ernesto sempre quis ser concertista, sempre teve uma veia clássica. E no final da vida, estava compondo sambas... quem diria?

Perguntado sobre a ligação de Ernesto com a saudosíssima Chiquinha Gonzaga, o pesquisador Luiz Antônio foi categórico:

— São os pais da MPB. Ernesto Nazareth é o pai e Chiquinha, a mãe.
O violonista Genésio Nogueira encerrou com uma bela apresentação

Ao final da palestra, perguntamos para o Luiz Almeida se ele tinha alguma curiosidade ou alguma história engraçada sobre o Ernesto que pudesse nos contar. E ele contou, com exclusividade, uma coisa que aconteceu quando o Ernesto trabalhou em um CABARÉ.

— O Ernesto era um músico de ofício, era uma pessoa que respirava música e vivia de música. E como todo profissional da música, ele tocou em batizados, casamentos, em bailes... acho que ele só não tocou em enterros porque ninguém o convidou. — disse ele, rindo. — Então em um desses momentos difíceis da vida do Ernesto, ele foi convidado para tocar em um cabaré. Um cabaré de alto luxo. Mas é claro que quando dava umas cinco da manhã, que era a hora que o 'expediente' encerrava, ele saía apressadíssimo do lugar! E sempre tinha alguém que o perguntava o motivo da pressa, pedindo para que ficasse mais um pouco. E o Ernesto nunca revelava sua identidade, nunca dizia seu nome. Até porque ele também era padre! E quando ele saía, vivia dizendo "meus senhores, vou lhes contar uma coisa. Eu sou padre! Padre! E estou saindo daqui nesse minuto pra poder rezar uma missa! E saía correndo!
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Se você quer saber mais sobre a vida e a obra de Ernesto Nazareth, entre em contato com o Couvert Artístico. Teremos o prazer de preparar um conteúdo especial.

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